6 de novembro de 2011

As personagens femininas de" A cartomante" - Machado de Assis



Publicado inicialmente em várias histórias no ano de 1896, A cartomante é um conto narrado em terceira pessoa, com uma visão “por detrás”: o narrador sabe mais que as personagens pois tem uma visão global de tudo o que vai acontecendo, uma compreensão reflexiva dos sentimentos mais íntimos que movem os personagens. O narrador está presente na narrativa quase como personagem em alguns momentos, quando utiliza a primeira pessoa, mas não participa dos acontecimentos como comprovam essas expressões: “cuido que[...] e digo mal[...] vamos a ela[...] vimos que[...]”.
O enredo de A Cartomante gira em torno de um fato banal: um triângulo amoroso formado por Vilela(marido), a esposa Rita e o amigo de Vilela e amante de Rita, Camilo. Quando Vilela, marido traído descobre o adultério mata os dois. A narração não é linear, o início dá-se pelo meio quando Rita e Camilo já são amantes a algum tempo e estão preocupados com a possibilidade de sua relação ser descoberta por Vilela. Através de flashback o narrador informa sobre a amizade de infância entre Camilo e Vilela, do casamento de Vilela com Rita e da aproximação que se tornou uma paixão ardente entre Camilo e Rita.
Nesse trabalho importa-nos destacar e analisar o perfil das “mulheres” nessa obra, como são formadas as personagens femininas, quais as características psicológicas denunciadas nas entrelinhas e nas pistas do narrador.
Percebe-se nesse conto a presença de três mulheres que fazem toda a diferença no desenvolvimento da trama, influenciando as personagens masculinas e servindo de base para o desenrolar dos acontecimento. São as personagens: Rita, a cartomante e também uma considerada secundária, que pouco aparece, mas exerce uma forte influencia na vida de Camilo, que é a mãe dele.
Vale ressaltar que Machado em suas obras dá um destaque especial as figuras femininas. Mas a visão dele é muitas vezes pré-conceituosa, a mulher é retratada segundo Proença Filho1 com traços de mau caráter, embora em alguns casos ele a privilegie como ser dotado de inteligência e cultura.




O contexto histórico em que a mulher inserida no século XIX era altamente patriarcal, a figura feminina estava ideologicamente e fisiologicamente submissa ao homem, ela não tinha voz ativa, o homem era o chefe da família, à mulher cabia os afazeres domésticos, cuidar da casa, dos filhos e do marido, ela era do lar. Mas surgia também nessa época uma nova mentalidade devido às transformações da vida moderna que culminaram no avento do capitalismo e na consequente urbanização que passou a permitir novas formas de convivência social. Diante disso, cabe frisar que ascensão da burguesia trouxe para a sociedade uma maneira diferente de organização das vivências familiares. A mulher, que antes se restringia ao lar, agora vai às ruas, ocupa a sala de jantar juntamente com o sexo oposto, se entrega à sensibilidade e as novas formas de pensar o amor.
Em A Cartomante, percebe-se que Machado retratou um pouco a visão feminina dessa época dita mais moderna, pois a mulher influencia, domina, seduz, vai a luta, comete adultério, vive intensamente paixões, influencia no destino das pessoas e usa suas armas mais poderosas: a sedução, para conseguir o que deseja.
Uma personagem aparentemente sem importância na trama, visto que aparece muito pouco, mas influencia sobremaneira a vida dos personagens e consequentemente, o seu destino, é a mãe de Camilo. Ela não tem nome, é mencionada apenas coma “a mãe de Camilo”, é uma mulher de decisão, determinada, exerce maior influencia sobre Camilo que seu próprio pai, apesar de viverem em uma sociedade patriarcalista. É ela quem arranja emprego para Camilo após a morte do pai e a decisão dele de não ser nada.
“Camilo preferiu não ser nada, até que sua mãe lhe arranjou um emprego público”.
A mãe de Camilo teve grande importância também nas suas crenças, incutiu nele desde menino superstições, crendices que Camilo achou que tinham desaparecido mas aos vinte anos continuavam fortes, vivos na sua memória, bastou se deparar com uma situação de perigo, medo e incerteza.
“Também ele, em criança e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices”...
Em breves linhas Machado nos informa que Camilo não desenvolveu boas relações com o pai, viveu sob forte influência da mãe., tornando-se um adulto por demais dependente.
“Camilo entrou no funcionalismo contra a vontade do pai”...
A cartomante poderia ser considerada a personagem central da narrativa. A ela o autor confere uma maior riqueza de detalhes, seja sobre suas características físicas, ou o ambiente em que mora. Não se sabe o nome próprio dela, sendo apresentada apenas obre o no0me de sua profissão, como se Machado não quisesse referir-se a uma cartomante especifica, mas a todas as cartomantes do mundo.
O primeiro contato que o leitor tem com essa personagem é indireto, através do relato de Rita que afirma lhe ter ela adivinhado o futuro e ter-lhe restituído a paz de espírito. Daí já se começa a perceber a farsa da cartomante e a ingenuidade de Rita, pois ela deduziu o óbvio, algo que qualquer um poderia pressupor diante de uma bela mulher em desespero.
Com a descrição da ida de Camilo à cartomante fica ainda mais clara a personalidade duvidosa da mulher. Tudo conspira em favor do mistério, da coisa obscura. A casa em que mora, “de janelas fechadas” é identificada como “a moradora do indiferente destino”. O espaço reservado para consultas é o sótão, pequeno compartimento da casa próximo ao telhado. Varias referências à escuridão e à velhice ressaltam a penetração ao mundo misterioso:
“A luz era pouca[...], uma escada mais escura, uma salinha mal alumiada[...] paredes sombrias[...] degraus comidos[...], corrimão pegajoso[...] velhos trastes[...]”
Esse ambiente sombrio é o local onde reside a cartomante. Quando se refere às características físicas o narrador denuncia quem realmente é essa mulher. Uma mulher de quarenta anos, experiente portanto, italiana por isso estrangeira misteriosa, de olhos sonsos que podem ser fingidos e agudos que traduzem a esperteza, a vivacidade.
“Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com olhos sonsos e agudos”.
Nas entrelinhas do texto fica claro que a cartomante é uma impostora, charlatã e que se aproveita de pessoas fragilizadas como Rita e Camilo.
A personagem Rita, pivô do triângulo amoroso é uma figura marcante na trama. Possui características que revelam a mulher mais modernizada, decidida e que vai à luta em busca dos seus sonhos e desejos.
É ela que se apaixona primeiro e como uma “serpente”, instila o veneno do amor adúltero no coração do amigo da família. Rita por ser mais velha, portanto, mais experiente, é mais ativa do que Camilo. De caráter decidido sabe o que quer e procura com todas as forças sua realização, sem escrúpulos e sem remorsos. Quando está em dúvida sobre o amor de Camilo, não hesita em recorres à crença na cartomante para sair do estado de angústia. Rita é uma bela mulher que usa suas armas para se dar bem na vida, é uma figura ambígua, dissimulada assim como outras personagens machadianas.
“Realmente era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa”...


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